“Em uma manhã nublada de setembro, o bobo da corte surge do mar. Uma criança de luz e alegria, vestido em uma roupa azul, tão azul quanto o oceano em quem ele acabou de surgir”.
Sempre imaginei um audiolivro como uma simples narração, tal qual uma mãe faria ao ler um livro na beirada da cama enquanto tenta fazer seu filho dormir.
Audiolivros não deveriam ser assim. E nem sei se são. Estou apenas especulando. The Jester's Quest in the City of Glass: Esse é o modelo de audiolivro que eu adotei. Agora espero que todos sejam assim.
O disco parece refletir exatamente o ambiente da banda. Um ar meio bucólico, pacato, tendendo para o folk, uma sonoridade simples, e breves narrações entre e durante as músicas.
Essas narrações servem geralmente para fazer a ligação entre duas faixas, fechando uma e abrindo outra.
Em sã consciência, eu reprovaria essa ideia. Mas a sutileza e precisão com que a narração é inserida causa um efeito imersivo na história.
Apesar de um clima supostamente alegre, há uma filosofia mais sóbria por trás.
O álbum é muito influenciado pelas obras do Genesis (era Peter Gabriel), com o mellotron em evidência, muitos sintetizadores, flautas, e diferentes vozes para cada personagem.
A história tem início sem chamar muita atenção. O caráter introdutório de A Million Stars, nos apresentando o bobo que surge do mar, contrasta com o clima mais obscuro de Ancient Spirals (pessoalmente, minha faixa favorita).
Em Ancient Spirals o bobo chega até a Cidade de Vidro. Lá ele encontra uma flor branca e bela, mas de odor azedo. A flor o informa sobre um prêmio que ele deve procurar (sem especificar qual é esse prêmio) e avisa que em breve o bobo será apenas poeira.
“Qual é meu nome, o que eu procuro?” – Questiona o bobo.
Sem respostas, a flor diz: “É apenas a terra, é apenas a terra”.
NÃO DEVERIAM SER ASSIM
Eu não sei. Nunca ouvi um audiolivro na minha vida. Sequer cheguei perto de um. Estava tentando entender o porquê disso e acho que muito se deve a uma visão preconceituosa minha.Sempre imaginei um audiolivro como uma simples narração, tal qual uma mãe faria ao ler um livro na beirada da cama enquanto tenta fazer seu filho dormir.
Audiolivros não deveriam ser assim. E nem sei se são. Estou apenas especulando. The Jester's Quest in the City of Glass: Esse é o modelo de audiolivro que eu adotei. Agora espero que todos sejam assim.
MÚSICA E NARRAÇÃO
E quando o assunto é livro, estamos falando sobre os caras certos. O Lyrian, formado em uma pequena cidade inglesa, com três mil e poucos habitantes, tem no seu line-up três amigos bibliotecários.O disco parece refletir exatamente o ambiente da banda. Um ar meio bucólico, pacato, tendendo para o folk, uma sonoridade simples, e breves narrações entre e durante as músicas.
Essas narrações servem geralmente para fazer a ligação entre duas faixas, fechando uma e abrindo outra.
Em sã consciência, eu reprovaria essa ideia. Mas a sutileza e precisão com que a narração é inserida causa um efeito imersivo na história.
A JORNADA DO BOBO
As dez faixas de The Jester's Quest in the City of Glass contam a história de um bobo da corte. Ele busca algo (sem saber exatamente o quê), enquanto vai conhecendo as mais diversas figuras ao longo de sua jornada.Apesar de um clima supostamente alegre, há uma filosofia mais sóbria por trás.
O álbum é muito influenciado pelas obras do Genesis (era Peter Gabriel), com o mellotron em evidência, muitos sintetizadores, flautas, e diferentes vozes para cada personagem.
A história tem início sem chamar muita atenção. O caráter introdutório de A Million Stars, nos apresentando o bobo que surge do mar, contrasta com o clima mais obscuro de Ancient Spirals (pessoalmente, minha faixa favorita).
Em Ancient Spirals o bobo chega até a Cidade de Vidro. Lá ele encontra uma flor branca e bela, mas de odor azedo. A flor o informa sobre um prêmio que ele deve procurar (sem especificar qual é esse prêmio) e avisa que em breve o bobo será apenas poeira.
“Qual é meu nome, o que eu procuro?” – Questiona o bobo.
Sem respostas, a flor diz: “É apenas a terra, é apenas a terra”.
“O álbum do Lyrian deve ser ouvido de maneira linear. Funciona como um livro, você não pode simplesmente abrir uma página qualquer e começar a ler. Bem, você até pode, mas isso não faria nenhum sentido.”
A sereia, presente apenas nos sonhos do protagonista. |
PERSONAGENS E DIÁLOGOS
Uma das minhas principais críticas ao último disco do Avantasia, Ghostlights, foi a falta de coerência e detalhamento na história. Tudo era muito raso.Aqui é o exemplo oposto. Os ingleses primam pela profundidade do conteúdo.
Conforme a história vai avançando você vai se deparando com conversas instigantes e provocativas, assim como personagens peculiares.
Um deles é o anjo bêbado, de The Scented Chamber, que oferece ao bobo sete doses de vinho. Ou a inatingível e anônima sereia de Here Lies a Mermaid.
No fundo o simpático bobo da corte pode ser interpretado com um cara comum, assim como nós, sem poderes ou talentos, e com uma ambição vazia (por isso ele não sabe o que quer).
O protagonista é enganado (ou não?) pela cartomante em um sujo jogo de cartas, na faixa The Fall of the Cards. Uma pena que a voz muito aguda do vocalista desafina em alguns momentos e adquire um timbre meio irritante.
Procurando respostas, há o encontro com o eremita durante um passeio pelo cemitério. O eremita foi uma das cartas que apareceu na visita à cartomante.
Aqui acontece a maior reviravolta na história.
Em mais um ótimo diálogo, o bobo pergunta como encontrar o que procura. A resposta do eremita foi: “Para encontrar a terra você precisa voar acima dela”.
Essa frase é poderosa, pois mostra um ponto de vista bastante condizente com a filosofia de Nietzsche. O filósofo dizia que a única maneira de encontrar o próprio desejo é através de uma elevação, na qual você se desprende do seu homem domesticado, obediente e anestesiado.
Nietzsche olhando a vista. Não, péra. Tem alguma coisa errada aqui. |
A história avança e o bobo não consegue se elevar. Ele até chega perto de seu objetivo, pois o eremita o transforma em um pássaro. Uma flechada no coração atrapalha seus planos.
Ele cai do céu e em The Humours of the Grave ele renasce como o Homem de Lata d’O Mágico de Oz: Sem coração e com corpo metálico.
Na faixa Silver Metal voltamos ao nosso amigo bigodudo Fritz Nietzsche: Deus está morto. O nosso personagem não é mais como antes. Transformou-se, de bobo da corte à homem de lata.
Com sua nova forma, ele é apresentado ao deus dos homens de lata: Uma boneca preta, de apenas um olho e rosto assustador.
Sem entender porque os homens de metal veneravam aquela boneca, o bobo a destrói e tenta implantar o coração dela, nele. Não deu.
No final o bobo não encontra o que tanto procurava, mas consegue achar um coração (que na verdade era um par de sapatos vermelhos e fedidos).
Ao implantar o suposto coração, ele volta à sua forma original (The Ship of Jesters). Agora eu pergunto, por que um par de sapatos vermelhos substitui um coração?
Com o coração devidamente implantado a carcaça de metal cai, e novamente o figurino de bobo da corte se faz presente. Isso tem cheiro de o Eterno Retorno, mas já falei demais sobre o Nietzsche por aqui.
Além da interpretação nietzschiana, a história do bobo é uma grande parábola da vida de um cidadão comum.
A representação da infância é quando ele caminha até a Cidade de Vidro. Há uma pureza e ingenuidade quando ele fica encantado com a trilha e conversa com a flor branca.
Posteriormente vem a adolescência e suas experiências: Embriaguez, ao lado do anjo, e a sexualidade, ao sonhar com a sereia.
Suas cores vão ficando fracas e o bobo chega à vida adulta. Aí ele descobre que não é possível atingir tudo o que se deseja. Há a perda do coração (seria uma alegoria para os sentimentos?) e sua fé deixa de existir quando ele mata o deus dos homens de metal.
O último passo é a velhice, aonde ele volta a ser bobo da corte (já não tem mais a mesma responsabilidade e compromissos da vida adulta) e presencia seus amigos morrendo um a um.
Tropecei com The Jester's Quest in the City of Glass totalmente por acaso, e a surpresa foi positiva. Existem algumas falhas, porém o todo consegue superá-las.
Não espere construções musicais brilhantes como as do Gentle Giant, ou histórias dignas de King Crimson. Uma das coisas que mais intrigam no trabalho desses ingleses é a capacidade de te envolver com tão pouco.
Como diziam na era do blues: Basta uma boa história e um violão.
Essa lei é universal, eis o prog sendo simples e belo.
Ele cai do céu e em The Humours of the Grave ele renasce como o Homem de Lata d’O Mágico de Oz: Sem coração e com corpo metálico.
Na faixa Silver Metal voltamos ao nosso amigo bigodudo Fritz Nietzsche: Deus está morto. O nosso personagem não é mais como antes. Transformou-se, de bobo da corte à homem de lata.
Com sua nova forma, ele é apresentado ao deus dos homens de lata: Uma boneca preta, de apenas um olho e rosto assustador.
Sem entender porque os homens de metal veneravam aquela boneca, o bobo a destrói e tenta implantar o coração dela, nele. Não deu.
SUBJETIVO
Compreender o significado de toda a história é um tanto quanto longe do trivial.No final o bobo não encontra o que tanto procurava, mas consegue achar um coração (que na verdade era um par de sapatos vermelhos e fedidos).
Ao implantar o suposto coração, ele volta à sua forma original (The Ship of Jesters). Agora eu pergunto, por que um par de sapatos vermelhos substitui um coração?
Com o coração devidamente implantado a carcaça de metal cai, e novamente o figurino de bobo da corte se faz presente. Isso tem cheiro de o Eterno Retorno, mas já falei demais sobre o Nietzsche por aqui.
Além da interpretação nietzschiana, a história do bobo é uma grande parábola da vida de um cidadão comum.
A representação da infância é quando ele caminha até a Cidade de Vidro. Há uma pureza e ingenuidade quando ele fica encantado com a trilha e conversa com a flor branca.
Posteriormente vem a adolescência e suas experiências: Embriaguez, ao lado do anjo, e a sexualidade, ao sonhar com a sereia.
Suas cores vão ficando fracas e o bobo chega à vida adulta. Aí ele descobre que não é possível atingir tudo o que se deseja. Há a perda do coração (seria uma alegoria para os sentimentos?) e sua fé deixa de existir quando ele mata o deus dos homens de metal.
O último passo é a velhice, aonde ele volta a ser bobo da corte (já não tem mais a mesma responsabilidade e compromissos da vida adulta) e presencia seus amigos morrendo um a um.
DIRETAMENTE DO LIMBO
O Lyrian é mais uma daquelas bandas que emergem do limbo. Pouco se sabe sobre os caras, nada de registros ao vivo, e pam! De repente um trabalho surpreendente. Existem dois outros álbuns anteriores a esse, Nightingale Hall (2008) e The Tongues of Men and Angels (2011). Já entraram na minha lista de próximos a ouvir.Tropecei com The Jester's Quest in the City of Glass totalmente por acaso, e a surpresa foi positiva. Existem algumas falhas, porém o todo consegue superá-las.
Não espere construções musicais brilhantes como as do Gentle Giant, ou histórias dignas de King Crimson. Uma das coisas que mais intrigam no trabalho desses ingleses é a capacidade de te envolver com tão pouco.
Como diziam na era do blues: Basta uma boa história e um violão.
Essa lei é universal, eis o prog sendo simples e belo.
“Her lips are black and glistening and wet with mirth. They ask me what I am seeking; I say ‘The Earth’.”
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FICHA TÉCNICA:
Artista: Lyrian
Ano: 2016
Álbum: The Jester's Quest in the City of Glass
Gênero: Rock Progressivo
País: Inglaterra
Integrantes: Alison Felstead (vocal e baixo), Brian Nash (narração), Edgar Wilde (vocal e bateria), John Blake (vocal e guitarra), Paul W. Nash (vocal, teclado, guitarra e flauta).
MÚSICAS:
1 - A Million Stars
2 - Ancient Spirals
3 - The Scented Chamber
4 - Here Lies a Mermaid
5 - The Fall of the Cards
6 - Flight From the Enchanter
7 - The Humours of the Grave
8 - Mister Silver
9 - I Trespass in the Kingdom of the Black Doll
10 - The Ship of Jesters
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FICHA TÉCNICA:
Artista: Lyrian
Ano: 2016
Álbum: The Jester's Quest in the City of Glass
Gênero: Rock Progressivo
País: Inglaterra
Integrantes: Alison Felstead (vocal e baixo), Brian Nash (narração), Edgar Wilde (vocal e bateria), John Blake (vocal e guitarra), Paul W. Nash (vocal, teclado, guitarra e flauta).
MÚSICAS:
1 - A Million Stars
2 - Ancient Spirals
3 - The Scented Chamber
4 - Here Lies a Mermaid
5 - The Fall of the Cards
6 - Flight From the Enchanter
7 - The Humours of the Grave
8 - Mister Silver
9 - I Trespass in the Kingdom of the Black Doll
10 - The Ship of Jesters
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