Matheus Manente - Illusions Dimension (2014): O castelo de um homem só.


Essa resenha provavelmente começará de maneira inusitada. Não vou começar falando do álbum, ou explicando quem é Matheus Manente, nem fazendo pontes mirabolantes...

Vou começar direto ao ponto. Vou começar falando de mim.

EU MESMO E O INSTRUMENTAL

O metal instrumental não me atrai. Reconheço que há grande beleza e dificuldade nele, só que eu não consigo me interessar.

Talvez seja pela minha forma de ver essa arte: Penso no metal como uma maneira de transmitir alguma mensagem, dar um recado, questionar, tirar onda, contar história... E o metal instrumental quase sempre se resume em zilhões de notas por segundo, técnica absurda, mas nenhuma mensagem por trás.

Há quem goste, e respeito muito quem goste. Yngwie Malmsteen, Steve Vai, Joe Satriani... Eis alguns exemplos de que você não precisa de uma corda vocal para atrair milhares de fãs.
Vou dizer que esses caras são ruins? Seria insano afirmar isso.
São bons. Não curto. Questão de gosto. Simples assim.

Antes que você pense que sou um radical, saiba que com outros gêneros não tenho essa restrição. Cara, como não se render ao Miles Davis ou ao John Coltrane? Ou então não balançar a cabeça com Herbie Hancock?
O jazz e o funk são gêneros que combinam muito bem com o instrumental.

Outro estilo de instrumental que me agrada muito é aquele feito para compor trilhas sonoras. Seja de filme, de jogo... Trilha sonora é algo que curto demais, e só não escrevo mais sobre isso por pura falta de tempo.
Trilha sonora + Funk = Combinação perfeita. Manjadores manjarão da foto acima.

VOLTANDO AO FOCO

Bem, toda essa digressão sobre eu mesmo não foi em vão. E também não significa que estou carente, precisando desabafar ou conversar com alguém sobre meus gostos.

Na verdade esse papo furado é para justificar minha resenha da semana (que nem sempre é semanal, mas o tempo é relativo então está tudo certo).
Illusions Dimension é um álbum instrumental e... Basicamente de metal progressivo.

Portanto, o leitor mais versado em lógica rapidamente concluirá, por meio de um argumento dedutivo:
Eu não gosto de álbuns de metal instrumental. Esse é um álbum de metal instrumental. Logo, eu não vou gostar desse álbum.

Após brilhante conclusão, vem a questão: Ser ou não ser?
Com sagacidade, o leitor perceberá que essa questão é muito complicada e partirá para outra: Por que escrever sobre um álbum que não me agrada por princípio?

É uma ótima questão. Em condições normais, eu não daria atenção para um álbum com essa proposta. Só que duas coisas me chamaram muita atenção no trabalho do Matheus Manente.
Primeiramente, ele é compositor de várias trilhas sonoras (lembre-se que gosto delas). Você pode ver tudo o que ele já fez aqui.
Segundamente, há um propósito por trás do instrumental. Não é um mero derramamento de escalas acima e abaixo. E nesse ponto eu irei me aprofundar mais para frente.

A PROPOSTA

Por mil vezes criamos castelos e os abandonamos inacabados. Você é forte o suficiente para construir este castelo até o fim?
Com a frase acima estampada no encarte, Matheus Manente nos indica um trabalho bastante ambicioso, que realmente pode ser comparado à construção de um castelo. E mais: Um castelo construído por um homem só.

Sim, porque o cara é um multi-instrumentista que simplesmente resolveu fazer tudo sozinho. O álbum foi inteiramente dirigido e gravado pelo próprio Matheus... Afinal, para que ter uma banda?
Gravar um álbum sozinho? Pat Metheny aprovou a ideia.

As faixas surgem a partir de um fato científico ou histórico, e fulminam em uma reflexão. Por exemplo, logo após a introdução (um dos poucos momentos em que há a presença de narração), vem Kinetic Disturbances, e seu subtítulo “from Brownian motion to life” (“do movimento Browniano para a vida”).

A música é inspirada na questão da aleatoriedade e seu impacto na nossa vida. Parte-se de um fato científico, o chamado movimento Browniano (resumidamente, é o movimento aleatório das partículas em um fluido), e chega-se à sua aplicação (a vida). As camadas instrumentais tentam representar essa situação.
Nota: Minha última resenha foi justamente sobre a aleatoriedade. E aqui estou falando dela novamente. Preciso parar com isso.
“O movimento Browniano foi a pá de cal no determinismo de Laplace. O próprio Einstein não botava fé no que havia acabado de descobrir. Para ele, Deus não poderia jogar dados. Jean-Baptiste Perrin agradeceu a indecisão, e ganhou um Nobel.”
Enfim, esse é um assunto de física quântica, e se você não estiver entendendo nada, saiba que isso é um bom sinal. Significa que você é uma pessoa normal.

Kinetic Disturbances é um dos melhores momentos do álbum, e transmite bem a ideia do caos e aleatoriedade, possuindo pontes mais suaves que funcionam para dar uma quebrada no peso.

Falando em peso e caos, a próxima música é The Shapley-Curtis Debate. O começo tem umas batidas quebradas e imprevisíveis, parecendo ser algo totalmente sem sentido. Ledo engano.
Aqui na ilha de Balboa fui treinado pelo exército balboano, e usávamos muito código Morse em nossas missões de treinamento.
Pois saiba que The Shapley-Curtis Debate está toda escrita em código Morse na sua base. Se você não sabe decifrá-lo, irei dar uma ajudinha: Começa com “The scale of the universe”.

Já falei muito de ciência por aqui e não vou me alongar sobre o que foi o debate entre Shapley e Curtis, lá pros idos de 1920. Só digo que o evento ficou conhecido como a terceira maior treta da história astronômica, no período pré-facebookiano.
Qual será o tamanho do universo? Aposto que grande pra caramba.

PICOS E VALES

Comentei isso outras vezes, mas relembrar é viver, então vamos lá. Um ponto fundamental na música são os contrastes. Os chamados picos e vales.
É fundamental ter oscilações rítmicas, de volume, de melodia, de peso... Senão tudo soa enjoativo.

Inner Piece aparece justamente para cumprir esse papel. Um piano abre a música e racha totalmente o ar pesado das faixas anteriores, trazendo uma renovação sonora importante para manter o ouvinte atraído.

Outra música que cumpre com essa função é Castaway. E ela é ainda mais interessante, pois é levada apenas por um violão, enquanto que ao fundo ouvimos o som do mar.
Só que aos poucos, esse som do mar vai se transformando. E quando ela termina, parece que estamos no meio de uma pequena multidão.

Quando você tem um vocalista para segurar a onda, esses contrastes talvez não sejam tão imprescindíveis. Só que na música instrumental, não vejo outra saída a não ser usar e abusar deles.

UM LONGO CAMINHO

Enquanto o ouvinte caminha pelos sons de Illusions Dimension, ele encontrará sonoridades e nuances que certamente chamarão a atenção.

Market Garden é um desses momentos (uma curiosidade, Market Garden é o nome dado a uma operação aérea da Segunda Guerra Mundial).
Com uma ótima introdução, em um instrumento que sou incapaz de identificar (gaita de fole?), por uns instantes achei que ouviria um hino galaico. Só que a música avança e rapidamente ganha uma atmosfera de guerra, maximizada pelos samples de tiros e explosões.

Até The Seventh of Nights são poucos os pontos baixos. O caminho percorrido pelo álbum é muito consistente no todo.
Após isso, mudo um pouco de ideia. Dentre os momentos em que eu perdi o interesse, está Pamukkale e The Burial of the Count of Orgaz.
A primeira não conseguiu me empolgar, achei comum. E a segunda definitivamente não gostei. Não sei se eu que não entendi a proposta da música, mas não rolou. Matheus a descreve como uma tentativa de reproduzir os sons que seriam ouvidos na cena do quadro de El Greco (abaixo).
Ouça e tire suas conclusões.
O Enterro do Conde de Orgaz.

Infelizmente a impressão é de que o álbum perde sua força e criatividade no final. Talvez eu esteja certo, ou talvez a explicação para essa sensação seja outra: O cansaço.

O caminho de Illusions Dimension acaba ficando exageradamente longo, e após aproximadamente uma hora de álbum ainda temos pela frente duas faixas que juntas totalizam quase 17 minutos, é uma overdose.
O álbum poderia ser mais enxuto e tentar não exceder uma hora. Sustentar a audição do ouvinte por mais tempo do que isso é uma missão praticamente impossível. A não ser que seu nome seja David Gilmour, recomendo não tentar.

O trabalho poderia ter acabado em Virtual Destruction. O final dela, com um dubstep e um som 8-bit, seria a saideira no melhor momento possível e deixaria aquele gostinho de quero mais.

O NICHO DO NICHO

Trabalhar com metal progressivo já é um público de nicho. Metal progressivo instrumental é o nicho do nicho. O Matheus Manente provavelmente sabe disso melhor do que eu, e admiro a ousadia dele.

E se você, assim como eu, não curte tanto o som instrumental, vou deixar uma dica: Às vezes um instrumento pode dizer muito mais do que uma voz.

When these illusions drag me into the dimension of dreams, I start to see both logical thinking and faith merging into one.

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FICHA TÉCNICA:
Artista: Matheus Manente
Ano: 2014
Álbum: Illusions Dimension
Gênero: Metal Progressivo
País: Brasil
Integrantes: Matheus Manente (tudo).

MÚSICAS:
1 - Illusions Dimension
2 - Kinetic Disturbances
3 - The Shapley-Curtis Debate
4 - Inner Peace
5 - Symmetry of Evil
6 - Market Garden
7 - Castaway
8 - The Seventh of Nights
9 - Pamukkale
10 - Virtual Destruction
11 - The Burial of the Count of Orgaz
12 - Brihadeeswarar Temple
13 - Dreams and Memories



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Sobre o Unknown

Depois de anos de estudo e dedicação à engenharia, percebi que era tudo um grande pé no saco. Joguei as coisas pro ar e fui para a ilha de Balboa (pode procurar no Google, ela existe!). Agora fico deitado na rede e ouço rock o dia todo.

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