Genoma do Rock - Jazz: O irmão do blues...


Um guitarrista de blues toca três acordes na frente de centenas de pessoas. Um guitarrista de jazz toca centenas de acordes na frente de três pessoas.

A piada acima é muito comum em rodas de músicos em ambos os gêneros, e pode servir como uma síntese da diferença entre eles, apesar de tantas as proximidades.

Não é exagero dizer que o jazz é o irmão mais novo do blues. Tecnicamente falando, o blues pode ser considerado um elemento do jazz. Entretanto, talvez não faça muito sentido considerar o jazz como elemento do blues.

VOLTAMOS A FALAR DOS NEGROS

Por serem irmãos, e nascidos em datas muito próximas, a história por trás do blues e do jazz é muito parecida. São diferenças sutis que tornam os estilos distintos. Então vou me focar nas diferenças, o restante da base histórica você poderá encontrar no texto sobre o blues.

Vamos voltar no tempo, mais especificamente para 1719, em Nova Orleans (futura capital do jazz). A colonização dessa região foi inicialmente francesa, ao invés de britânica como na maior parte dos Estados Unidos. Esse detalhe aparentemente insignificante é crucial para o desenvolvimento cultural da região.

Ao contrário dos britânicos, os franceses tinham menos critérios para adquirir seus escravos. Eles os traziam dos mais diversos países: Desde os clássicos africanos (Gana, Togo e Nigéria), até os países do caribe (na época chamados de Índias Ocidentais).

Haviam escravos de tudo que é canto do mundo, e eles tinham em sua bagagem diferentes idiomas, tradições étnicas completamente variadas, e crenças distintas. Tudo isso misturado no mesmo lugar criou uma versão moderna da Torre de Babel.
“A África e Índia Ocidental tinham a música como uma tradição muito forte em seus rituais e cotidiano. Quando essas músicas regionais se fundem, a coisa começa a ficar bem interessante.”
Música, a linguagem universal que uniu diferentes povos.

NEM TÃO NEGROS ASSIM

Agora vamos nos adiantar no tempo. Chegamos em 1900. A escravidão já não existia mais no papel, mas os negros ainda sofriam. E o blues começava a dar as caras.

Negros e brancos. Não era só isso. Após quase duzentos anos do início da escravidão havia uma população que não se encaixava em nenhuma dessas duas etnias. Os chamados crioulos.
O termo é mal traduzido e pode assumir diversos significados.
Nesse caso, quando falo dos crioulos, estou falando de nativos da América, filhos de negros com brancos.

Os crioulos possuíam a herança dos franceses e a educação católica. Isso permitiu que, diferentemente dos negros, eles fossem educados em boas escolas e possuíssem uma maior convivência com a sociedade branca.

HORA DE JUNTAR AS PEÇAS

Bem, até agora apenas contei histórias. Hora de juntar os fatos. O blues foi estourar na década de 20, mas nasceu nos idos de 1900. O jazz surge por volta de 1917, justamente quando o blues começa a se expandir.

Se você olhar o mapa dos Estados Unidos, Louisiana (estado de Nova Orleans) fica entre Mississipi e Texas, os dois berços do blues.
É inevitável, o blues rapidamente chega aos ouvidos dos crioulos.

Como quem não gosta de blues, bom sujeito não é, assim que esse som cru, simples e emocional chegou ao ouvido de Nova Orleans, foi paixão a primeira vista (ou seria a primeira audição?).

Não deu outra. Eles começaram a tocar esse som. E é aí que aparecem as diferenças entre os irmãos blues e jazz.
Louisiana fica entre o fogo cruzado.

A IRMANDADE

Já reparou que irmãos, apesar de serem parecidos fisicamente, não se parecem em nada no comportamento? Um sempre é o oposto do outro! Se um prefere rock, o outro vai no samba. Um é certinho, o outro é porra louca. Um é gosta de ler, o outro prefere a TV... E assim vai.

Os irmãos blues e jazz seguem essa linha. Se parecem quando você olha rapidamente. Mas logo depois percebe que as diferenças são abissais.

Diferença nº 1: Complexo.
Os crioulos tiveram uma base educacional muito melhor do que os negros. Isso quer dizer que além de matemática, geografia e química, eles também tiveram aulas de música. E com um conhecimento teórico musical muito mais avançado, o blues passa a ser tocado de maneira complexa e rebuscada.

Diferença nº 2: A carga emocional.
O blues é uma canção de lamentações, de dramas, tocado em senzalas abandonadas (as juke joints)... Já o crioulo teve uma vida relativamente melhor do que o negro. Por isso não faz muito sentido letras tão emocionais assim. Não seria genuíno. O jazz é mais dançante e alegre, muitas vezes tocado em festas, bordéis e eventos de brancos.

Diferença nº 3: Mais europeu.
A estrutura do blues, na sua progressão de escalas fixas, é influenciada por canções típicas africanas e cantos tradicionais religiosos. O jazz mantém essa progressão fixa na sua raiz. Todavia, ele vai muito além das influências africanas. Há uma ligação mais forte com a música europeia (afinal, eles tinham mais contato com os brancos) e com o ragtime.

Diferença nº 4: Improvisos e misturas.
O jazz é uma música praticamente livre para improvisar e misturar. Ele tem na sua essência a polirritmia e é polimétrico. Estou falando grego? Polirritmia é o som de dois ou mais ritmos simultaneamente. O mesmo raciocínio vale para músicas polimétricas. Veja um exemplo simples aqui.
Essas misturas de ritmos e métricas são uma consequência do que aconteceu lá em 1719 (ou você acha que eu contei a história dos escravos à toa?). Desde aquela época eles misturavam a bagaça toda pra tirar um som.
“Quer dizer que a diferença entre os dois não está no uso de sax?”.

ILEGAL, IMORAL, OU ENGORDA

À medida que o jazz foi se popularizando, ele também foi ganhando fama de ser imoral, principalmente pelas gerações mais velhas.
O jazz trazia dança, sensualidade, e por isso virou febre entre os jovens. A sociedade norte-americana vivia seu boom econômico (até 1929, quando houve a quebra da bolsa) e o jazz trazia toda a ostentação que a época permitia.

Em paralelo, havia a lei seca nos Estados Unidos: O consumo do álcool fora proibido pelas autoridades.
Como tudo que é ilegal, é melhor, começaram a pipocar bares clandestinos no subterrâneo das cidades. Esses bares (chamados de “speakeasies”), fundados muitas vezes por gangsteres, vendiam bebidas e eram embalados por longas noites de jazz. Brancos, crioulos, e alguns poucos negros com dinheiro se juntavam para beber (a bebida une as pessoas).

O COMEÇO FOI BRANCO

A primeira gravação de destaque foi feita pela Original Dixieland Jass Band. Curiosamente, um grupo formado apenas por integrantes brancos.
Notem que o termo jazz já era usado, mas grafado de maneira diferente da atual. A etimologia da palavra é controversa, porém acredita-se que ela seja derivada da palavra “jasm”, uma gíria que hoje seria o equivalente à palavra pique ou agito.

Os anos dourados vieram na década de 20. Bessie Smith, já citada no capítulo do piano blues, encabeça a lista. Além dela, brilharam Louis Armstrong, Duke Ellington, Paul Whiteman e Thomas Waller.

Entrando na era moderna das gravadoras, fica difícil citar poucos nomes e não cometer injustiças.
Os cinco que escolho para citar aqui são Miles Davis (Kind of Blue, 1959), John Coltrane (A Love Supreme, 1965), Charles Mingus (The Black Saint and the Sinner Lady, 1963), The Dave Brubeck Quartet (Time Out, 1959) e por que não Thelonious Monk (Genius of Modern Music, 1989)?

É O IRMÃO BOÊMIO

Se o blues e o jazz são irmãos, o jazz foi o irmão que soube curtir a vida.
Enquanto o blues ficava lá no canto, bebendo sozinho e chorando, o jazz foi para a festa pegar as menininhas.

O jazz é a faceta descontraída do blues. E pode não parecer, mas ele é tão importante para o rock quanto seu irmão.
É do jazz que tende a sair os gêneros mais dançantes do rock, como o funk. Mas calma lá, isso vai demorar para acontecer. Estamos na década de 20, e o próximo passo são as big bands.

Enquanto isso, por que você não ouve uns exemplos do jazz, logo abaixo?


GENOMA DO ROCK
Antecessores:
Blues
Sucessores:
Big Band


Quem usa o Google Plus?

Sobre o Unknown

Depois de anos de estudo e dedicação à engenharia, percebi que era tudo um grande pé no saco. Joguei as coisas pro ar e fui para a ilha de Balboa (pode procurar no Google, ela existe!). Agora fico deitado na rede e ouço rock o dia todo.

0 comentários :

Postar um comentário